Pode o empregador exigir a informação da CID nos atestados médicos?
Questão recorrente e bastante tormentosa é sobre as informações que podem ou devem estar contidas nos atestados médicos apresentados pelos empregados.
Tem-se, de um lado, o direito do empregador à informação acerca das razões do afastamento do empregado, como forma sua de validar os deveres patronais disso decorrentes, tal como o pagamento de salário.
Referido direito do empregador decorre do poder diretivo do empregador, implícito no art. 2º da CLT. Uma segunda referência normativa a esse direito advém diretamente do direito constitucional de propriedade, sob a ótica da defesa dos interesses patrimoniais do empregador.
Por outro lado, o empregado deve ter assegurado o seu direito à intimidade, direito constitucional de primeira dimensão (art. 5º, X da CF).
Esse direito à intimidade se faz presente não apenas nas relações civis mas se projeta também nas relações trabalhistas, em virtude da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou eficácia diagonal (na visão de Gamonal Contreras) desses direitos.
Trata-se de um direito inespecífico, na visão constitucional trabalhista, assim entendido como aquele direito que se insere no complexo de direitos do trabalhador, ainda que não haja sua expressa previsão, mas diante da força normativa que emana da nossa Constituição Republicana.
Delineados os direitos envolvidos, necessária a sua análise para revelação de qual direito prepondera nesse caso.
Para ajudar nessa celeuma, cita-se a Portaria 3.370/84 do Ministério da Previdência, que prevê que somente pode haver inserção da Classificação Internacional de Doenças (CID) no atestado com expressa anuência do paciente (ora empregado). E ainda, a Resolução n. 1.658/02 do Conselho Federal de Medicina autoriza o diagnóstico codificado apenas “por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.”
Cabe tratar ainda que a obrigatoriedade do médico de notificar doenças ou agravos conforme Lista Nacional da ANVISA (conforme prevê a Lei 6.259/75) ou de comunicar acidente de trabalho – CAT (art. 22, § 2º da Lei 8.213/91) tratam de hipótese diversa do caso ora analisado. Isso porque essa notificação serve para controle de epidemias, etc dos órgãos ligados ao Ministério da Saúde, não se destinando, portanto, ao empregador.
O médico, assim, possui total amparo para omitir a CID nos atestados, quando não autorizado pelo paciente, por recomendação do seu próprio órgão de classe e também para não incidir, em último caso, nos ilícitos penais previstos nos arts. 154 e 325 do Código Penal (Violação do segredo profissional ou do sigilo funcional).
Portanto, a exigência do empregador de CID nos atestados médicos tornaria inócuo o consentimento necessário do paciente em face de um suposto direito a preservação da propriedade que, em verdade, não está sendo ameaçada.
Essa exigência transborda os limites da relação empregatícia, uma vez que se mostra inadequada e desnecessária para o fim que se propõe (ratificar o afastamento do empregado).
Além disso, o atestado médico informando a necessidade de afastamento do empregado já traz informação suficiente para o empregador. Entendimento contrário a esse põe em xeque a própria perícia e ética médicas, as quais devem ser tidas por verazes e corretas até prova em contrário.
Concluindo o assunto, o empregador não pode fazer essa exigência, em desconformidade à anuência do empregado, pois violaria direitos individuais desse empregado e a ética a qual se submete o médico.