Quais os limites ao exercício da liberdade religiosa na relação de trabalho?
A proteção à liberdade religiosa possui assento nos mais diversos textos normativos internos (arts. 1º, II; 3º, III e 5º, IV e VI da Constituição Republicana de 1988 e art. 24 da Lei 7.210/84) e internacionais (art. 12.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos; Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. XVIII e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 18).
Referida proteção decorre da compreensão, especialmente no período pós-guerra, de que ao homem deve ter garantida a liberdade de crença religiosa como direito fundamental de primeira dimensão.
Isso porque, em passado recente, a sociedade presenciou os horrores da Segunda Guerra Mundial, cujo alvo principal foi o extermínio do povo judeu, em verdadeiro desrespeito aos princípios da igualdade e de seu corolário da não discriminação (art. 5º, caput e XLI da CR/88).
A partir desses acontecimentos, em movimento de resgate ao pensamento kantiano – de que o ser humano é dotado de dignidade pela sua tão só condição humana, sendo um fim em si mesmo – ganhou destaque a liberdade de autodeterminação e de crença religiosa, cuja garantia se irradia inclusive na esfera das relações particulares, consoante consolidada jurisprudência do STF (Caso Ellwanger; RE 158215), bem como em face do Direito Comparado (Caso Lüth na Alemanha).
Assim, é forçoso o reconhecimento de que a liberdade religiosa deve ser garantida não somente pelo Estado, como também pelos particulares, uma vez que esse direito fundamental possui aplicabilidade imediata, cujo núcleo essencial repercute não somente em face do indivíduo, mas sobretudo do trabalhador, dada a sua condição humana (art. 5º, § 1º CR/88).
E é por conta dessa eficácia horizontal do direito à liberdade religiosa que se pode falar do exercício desse direito no contexto da relação de trabalho. Veja-se que o chamado poder empregatício do empregador – assim aquele direito potestativo do empregador de dirigir, regulamentar, disciplinar e fiscalizar a prestação do trabalho pelo empregado (art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho) – não é absoluto, sendo limitado pela liberdade conferida ao empregado quanto às suas opções e opiniões políticas, religiosas ou de gênero.
Por isso, deve ser garantido ao empregado o exercício de sua liberdade religiosa, tanto sob os aspectos positivo quanto negativo. Positivamente, para propiciar a livre manifestação da sua religiosidade, contanto que não prejudique a liberdade religiosa de outros trabalhadores nem a dinâmica da empresa. E, sob o aspecto negativo, garante-se o direito ao empregado de não possuir crença religiosa alguma tampouco de professá-la contra a sua vontade em razão do contrato de trabalho.
Cabe destacar que a liberdade religiosa no contexto da relação de trabalho também alcança a liberdade do empregador de exercitar as suas crenças e de difundi-las através do seu objeto social. É o que se convencionou chamar de empresa ou empregador como uma “organização de tendência”.
Contudo, ainda que o empregador se trate de organização de tendência, cujo exercício de sua atividade econômica vise ao proselitismo, ou seja, ao fomento de uma determinada ideologia ou religião, qualquer limitação imposta ao empregado, quanto à sua liberdade religiosa, deve ser adequada, necessária e proporcional ao fim colimado pela atividade da empresa.
Portanto, eventual discriminação em face da liberdade do empregado para ser lícita deve ser justificada pela atividade da empresa e, ainda assim, enquanto respeitar e se fundar no mínimo possível de restrição à livre crença religiosa, consoante art. 1º, item 2 da Convenção 111 da OIT, que trata das qualificações ocupacionais de boa fé.
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