A mudança do paradigma migratório no Brasil a partir da Lei 13.445/2017
Nos últimos anos, viu-se um forte crescimento migratório em diversas regiões do mundo, boa parte motivado por conflitos civis ou religiosos no país de origem ou pela pobreza extrema. Sendo uma realidade sempre presente, cabe aqui uma abordagem, ainda que breve, acerca do conjunto normativo do direito do trabalho que tutela essa questão.
Inicialmente, de se recordar que a eliminação de toda discriminação em matéria de emprego e ocupação é uma das core obligations previstas na Declaração de Direitos e Princípios da OIT de 1998. Seguindo os valores dessa Declaração, a recente Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017) rompe com o antigo paradigma do Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6815/80), que focava apenas na defesa da “segurança nacional, da organização institucional e na defesa do trabalhador nacional” (artigo 2º ).
Veja-se que esse Estatuto do Estrangeiro, hoje revogado, visava à proteção do mercado interno de trabalho em face de trabalhadores estrangeiros, criando uma espécie de reserva de vaga para os cidadãos brasileiros. Faltava-lhe um propósito mais humanista de acolhimento do migrante. Outras normas também seguem essa mesma lógica do Estatuto do Estrangeiro, como o disposto nos artigos 352 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que trata da chamada “reserva dos dois terços”.
Veja-se o que traz o artigo 352 da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 352 – As empresas, individuais ou coletivas, que explorem serviços públicos dados em concessão, ou que exerçam atividades industriais ou comerciais, são obrigadas a manter, no quadro do seu pessoal, quando composto de 3 (três) ou mais empregados, uma proporção de brasileiros não inferior à estabelecida no presente Capítulo.
Para parte da doutrina, o artigos 352 a 371 da CLT não teriam sido recepcionados pela Constituição Republicana de 1988, por força dos artigos 5º, caput e 12.
Observa-se que essa base principiológica da Nova Lei de Migração, ao contrário do Estatuto do Estrangeiro que lhe precedeu, agora dá primazia ao migrante enquanto sujeito de direitos, independentemente de sua origem, situação documental ou forma de ingresso no país, fixando o paradigma da acolhida humanitária e de promoção de direitos e garantias fundamentais (art. 3º da Lei 13.445/17). Trata-se da mesma influência kantiana que inspirou o legislador quando da transição do Código de Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15).
Do bojo da Lei de Migração, destaca-se a previsão do art. 3º, I que traz, como princípios e diretrizes, a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos. Referidos princípios se alinham aos valores também buscados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); na Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, item 5; no Estatuto dos Refugiados de 1951; no Protocolo de Palermo; na Convenção 97 da OIT; Convenção 143 da OIT (ainda que não ratificada pelo Brasil) e Constituição Republicana de 1988, artigos 1º, III; 3º, IV e 4º, II e IX.
Aqui cabe lembrar, ainda, da mutação informal do artigo 5º da Constituição Republicana de 1988 que, na visão do Supremo Tribunal Federal, garante aos estrangeiros, ainda que em trânsito, os mesmos direitos fundamentais assegurados aos nacionais (Habeas Corpus ns. 72.391, 94.477 e 94.016.
Feita essa exposição normativa, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro tem se alinhado cada vez mais a uma visão humana e universalista e menos nacionalista e protetiva do mercado de trabalho brasileiro sobre o migrante. Assim, no contexto de constantes ondas migratórias, mostra-se relevante essa reflexão acerca do atual posicionamento normativo nacional no sentido de garantir uma acolhida humanitária, sem discriminações negativas sob uma suposta justificativa de proteção do mercado de trabalho interno.
Nesse contexto, a Lei de Migração cumpre o papel promocional e de acolhimento reclamado pelos direitos humanos do século XXI, sobretudo no cenário de grandes ondas migratórias oriundas de países da América do Sul e Central.
(foto por Bartira Salmom. Padrão dos Descobrimentos – Lisboa)
Excelente abordagem!
Abordagem necessária neste momento histórico